Des-Entender Ou Tudo que eu quero que você saiba, mas que não quero te dizer.
Me visto com todas as palavras que não consigo te dizer.
Escolho as mais bonitas, mais vistosas e faço com elas roupa de gala.
Me visto como para a maior de todas as festas.
E sempre é. Te encontrar é sempre a maior de todas as festas, e por isso me enfeito e tento me fazer bonita.
Em algumas vezes, me vesti até de noiva com essas palavras, para te encontrar e em silêncio e segredo me casar com você, no seu jardim, debaixo do arco que cerca a tua porta.
Às vezes acho que você não vê, ou talvez não tenha sido alfabetizado para ler esse tipo de linguagem, que ao invés de se transformar em palavras ditas ou escritas, vira roupa e se esconde pelo corpo, pelos gestos. Outras vezes, penso que você vê tudo muito claramente, mas se faz de desentendido, só pra ver até onde eu sou capaz de chegar.
Muitas vezes, eu acho que o problema sou eu, que escolho muito mal, escolho palavras erradas, e me visto de forma muito inadequada para ir te encontrar. Assim, como se eu fosse fantasiada de dinossauro para ver uma ópera no teatro municipal. Aquela coisa que não se encaixa, que não faz sentido ali.
A verdade é que eu nem sei se quero que você veja, leia, entenda.
Quero mostrar e esconder ao mesmo tempo.
Por isso eu mostro, mas assim meio camuflada.
Mas de toda forma sigo tentando me fazer entender.
Visto roupas mais curtas, com menos palavras, dessas que deixam as pernas à mostra, como eu sei que você gosta. Tento sempre deixar diferentes partes do corpo expostas, para você tocar, e assim te sentir mais perto.
Certo, confesso, às vezes eu erro e chego praticamente de burca coberta de textões, tentando me esconder em meio as palavras, ao invés de me mostrar por meio delas.
De toda forma, eu não sei bem porque, você nunca deixou de me receber. Seja de burca, de noiva, de dinossauro, ou sem vestir nada.
Você sempre me convida pra entrar, me serve um café, pega o violão e toca pra mim tudo que de alguma forma te compõem.
Pensando bem, talvez o problema não seja você que não saiba me ler, mas seja eu, que não sei te escutar. Escutar de verdade.
Como você me disse um dia, escutar um disco como quem lê um livro.
Me apego tanto a cada palavra, que não sei ouvir suas músicas, suas notas, seus silêncios, seus tempos. Os tempos que te compõem.
Nós somos tão diferentes e tão parecidos, que de alguma forma seguimos, se entendendo em meio aos desentendimentos.
Cada um com sua língua, suas entrelinhas.
Você, entre toques, notas, pausas e silêncios.
Eu, sem ponto, sem vírgula, sem sapatos, sem nada…