Me ame como eu sou quem quer que eu seja
Era o nome do episódio daquela série que eu pedi pra você ver.
Você viu, mas não entendeu. Talvez até tenha entendido, mas não sentiu. Sentir não era seu forte. Fugir que era.
Sem sentir é impossível me entender. Me enxergar. Me ler.
Você dizia que me amava.
Mas, você nunca soube como eu sou nem se interessou por quem quer que eu fosse, quem quer que eu seja e menos ainda por quem eu poderia ser.
Para você, eu era apenas algo a se encaixar. E se eu fosse o desencaixe sucedia o desenlance. Das mãos, das pernas, dos planos. E ao meu redor era solidão.
Repito a mim mesma e ao universo como uma súplica: me ame como eu sou quem quer que eu seja.
Para além de você, foram tantos outros.
Todo mundo ama enquanto se é o que querem que você seja.
Quem fica quando você é, quem quer que você seja?
Quem ama quando desaba? Quando se afunda na profundidade que mora no seu peito?
Quem permanece quando você venta pro mundo só os seus tempos ruins?
A gente não se gostava.
A gente se distraía da solidão. Você dá solidão do raso; eu do profundo. Que te afogava; enquanto eu me quebrava ao tentar mergulhar na poça das tuas águas.
Faltava água pra afundar, sobrava chão pra machucar.
Me ame como eu sou, quem quer que eu seja.
Ninguém está interessado em quer que eu seja. Só no que gostariam que eu fosse.
No geral, um acessório.
Gostam do fato de eu escrever, mas nunca estão interessados em ler.
A escritora, a poeta, é interessante, mas não o suficiente para ser lida.
Eles preferem mesmo é a parte interessada. Especialmente se estiver interessada em chupar.
Eles querem saber como eu chupo, como eu sento, mas não querem saber como eu escrevo.
Ninguém quer saber como eu sinto. Como eu vivo. E como eu sobrevivo em um mundo onde quem sente demais é “transtornado”.
Sentir demais e viver intensamente o que se sente é um lugar de muita solidão.
É um vácuo profundo.
As vezes penso que sou como aqueles peixes que vivem em profundidades abissais dos oceanos, onde a luz não chega.
Ele se adapta e produz sua própria luz. Ele fascina mas assusta.
É um mundo onde quase nada se desenvolve.
Ele segue na sua solidão escura.
Quando alguém descobre um desses peixes, acha interessante e assustador.
É interessante de ver desde que se mantenha distante.
Eu te amo peixe, quem quer que você seja.
Porque você é como eu.
Só nós sabemos da solidão de viver em profundidade.